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A bruxa está à solta!

A História Medieval está sempre em cena. Seriados, filmes, livros… a mídia em escala mundial tem sempre utilizado de temas do período medieval para alcançar o gosto do público. Nisso, um dos temas que parece nunca sair da moda é a bruxaria.

Não é preciso ir muito longe para percebermos o sucesso do tema. Harry Potter, literatura infanto-juvenil de J. K. Rolling, se tornou o best-seller de maior sucesso de todos os tempos. Somente no dia do seu lançamento, o último livro da série vendeu mais de 11 milhões de cópias só nos EUA. Nas telinhas do cinema, o sucesso não foi diferente. As relíquias da morte, parte 1, penúltimo filme da série, arrecadou 330,1 milhões de dólares em todo o mundo somente no final de semana de estreia, em novembro de 2010. A sequência, As relíquias da morte, parte 2, lançado em 11 de julho de 2011, alcançou, na época, o 3º maior sucesso de bilheteria da história do cinema.

Mas é curioso como o tema “bruxaria” não tem se limitado somente à literatura e cinema. No âmbito religioso não é difícil encontrarmos, mesmo no Brasil, adeptos da Wicca, e outras religiões neo-pagãs, que se auto-intitulam “bruxos”. Mais recentemente, nos EUA, um crescente movimento religioso tem se auto-intitulado “bruxos cristãos” (Christian Witches). Em 15 abril deste ano, o movimento realizou em Salém, Massachusetts (cidade conhecida pelo tema por conta do assassinato de 19 mulheres enforcadas sob acusação de bruxaria em 1692), a Primeira Convenção Anual de Bruxos Cristãos. Sob a liderança da pastora Valerie Love, os “bruxos cristãos” parecem querer adaptar ao cristianismo um conjunto de práticas e crenças historicamente por ele condenadas, chegando a propor que o próprio Jesus teria sido um bruxo.

A despeito, entretanto, das muitas polêmicas e controvérsias que esta tentativa de adaptação possa gerar, interessa-nos – pelo menos a nós, pesquisadores de religião, agnósticos ou curiosos – pensar o modo como a religião é um elemento plástico, moldável e adaptável, não apenas segundo os interesses individuais e coletivos, mas igualmente segundo as circunstâncias impostas pelo contexto histórico. No Brasil, o Candomblé, a Umbanda, a Jurema, o Daime, o Vale do Amanhecer, dentre tantas outras religiões, são frutos desta plasticidade religiosa moldada pelas necessidades de adaptação.

Voltando à bruxaria, é preocupante o modo como o discurso sobre ela tem sido, há séculos, utilizado para finalidades igualmente plásticas. Se, entre os séculos XVI e XVIII o medo das bruxas foi motivo para perseguição religiosa e social, na atualidade não é difícil notarmos sua conotação política. Em novembro de 2017, manifestantes queimavam bonecos com o rosto de Jutith Butler aos gritos de “bruxa!” enquanto a filósofa conferenciava em São Paulo. Nos EUA o escritor e palestrante cristão Andy Sanders afirmou em maio deste ano em entrevista à revista Charisma News que “as bruxas estão se infiltrando nas igrejas” e que “isso acontece porque o diabo perdeu algum terreno na igreja e no governo dos EUA”; uma clara referência ao governo de Donald Trump como um suposto aliado do cristianismo contra as forças do mal.

Fatos como devem causar preocupação. Do famoso livro medieval de São Cripriano aos sucessos de Harry Potter, a bruxaria seguiria indiscutivelmente melhor se não caísse no discurso do medo, do preconceito religioso, ou na manipulação política. Como os dementadores de Harry Potter, tais usos e discursos não fazem outra coisa senão roubar a felicidade do mundo. Contra eles, o expecto patronum da diversidade e respeito precisa brilhar nas varinhas de cada bruxo imerso neste mundo de trouxas.

Por:Prof. Dr. phil. Robson Gomes Filho
Doutor em História em regime de dupla-titulação pela Universidade Federal Fluminense e Katholische Universität Eichstätt-Ingolstadt (Alemanha)
Professor do Curso de Graduação e Mestrado em História da UEG-Morrinhos
Membro da Rede de Pesquisa “História e Catolicismo no Mundo Contemporâneo”
Autor dos livros Carisma, legitimidade e dominação religiosa: Santa Dica e a Congregação Redentorista em Goiás (1923-1925) e Kulturkampf: a Igreja Católica e a construção da modernidade e nação alemã no século XIX.
Contato: robson.gomes.filho@gmail.com

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